terça-feira, 8 de novembro de 2011

E você, confia na nuvem?


Esses dias me deparei com uma notícia na Folha muito interessante cuja manchete era a seguinte: “Bens digitais guardados na nuvem estão entrando em testamentos”. 

Na Inglaterra uma chef de cozinha, após sofrer um acidente, resolveu fazer um testamento e colocar nele toda a sua herança digital. Essa é só a deixa para que a matéria trate da questão do armazenamento de dados nas nuvens (clouds), serviço cada vez mais utilizado por nós, mortais. Como a notícia é “importada” são apresentadas as estatísticas sobre o que os ingleses consideram sua “herança digital”. Neste contexto, 30% dos britânicos entrevistados para o estudo da Universidade de Londres consideram sua herança digital os acervos de músicas, livros, filmes, fotos e documentos que têm guardados on-line, em servidores na rede; 11% dos entrevistados dizem que já colocaram ou planejam colocar em testamento os bens que armazenam apenas na nuvem e; 5% dos britânicos que possuem uma “herança digital” já definiram legalmente o destino dessa herança. 

Essa matéria é válida para chamar a atenção para uma prática cada vez mais comum entre as pessoas que utilizam a Internet, entendida, agora, como uma extensão da nossa casa, visto que podemos armazenar nossos “bens mais preciosos” como as músicas que compramos no iTunes ou os e-books da Amazon, “dentro” dela. 

Isso me fez refletir sobre algumas coisas, as quais compartilho com você, seguidor do blog: até que ponto as nuvens são seguras? Quais os benefícios em utilizar uma empresa de computação em nuvem, ou um site de armazenamento como o Google.doc? Quais os riscos para as pessoas físicas?

Jayson Kennedy, Lisa Snider e Luciana Duranti na apresentação Cloud Computing: The basics, benefits and risks apresentam, primeiramente seus benefícios e depois seus riscos, os quais reproduzo aqui - guardando as devidas relações desse armazenamento com uma pessoa física, ou seja, você que guarda seus e-mails, fotos, músicas e livros em sites de computação de nuvens.

Prós:
Redução de custos (não é necessário possuir um hardware/software; economia de energia;
Escalabilidade (você pode ter o que quiser e pagar apenas por aquilo que usar e pode rastrear o uso)
Confiabilidade (o documento está sempre lá quando você precisa, seja ele grande ou pequeno e disponível em qualquer lugar por meio de um browser)
Segurança (dados centralizados são mais fáceis de assegurar)
Contras:
A empresa de computação de nuvem pode falir, desaparecer ou ser vendida. Documentos podem desaparecer
A empresa de computação de nuvem pode perder os documentos e, às vezes não conseguir reavê-los.
Você deve confiar completamente no seu provedor.
Acessos não autorizados podem acontecer, como os hackers, por exemplo.
Documentos podem ser armazenados e movidos para qualquer lugar sem você saber.
Os documentos são devidamente preservados? Eles podem ser acessados? Há multiplas cópias em diferentes lugares, e qual é usada?

Dicas importantes:
Como tudo na vida, tem-se os prós e os contras. Ao contratar um serviço de armazenamento em nuvem, busque uma empresa que seja confiável, dentro das normas, compare provedores e políticas de revisão, leia o guia de seguro e o contrato de serviço. E mais importante: pese os prós e contras.

Tudo indica que os serviços de armazenamento irão ocupar um grande espaço na nossa vida daqui pra frente, tanto em nossas vidas pessoais, quanto em nossas vidas profissionais, sobretudo se você é um arquivista, um “guardião dos arquivos”. Enquanto tal, a pergunta que não quer calar é: como são organizados esses documentos? Bom...essa pergunta eu não poderei responder...deixo aberta aqui a discussão (espero que alguém que entenda melhor do assunto possa nos dar uma resposta).

Finalizo aqui dizendo que a oferta é tentadora e a ideia, fantástica. Não precisar mais dispor de um espaço físico para armazenar tudo aquilo que você consome e produz é algo que realmente pesa na sua decisão, ainda mais hoje, que o espaço está cada vez mais restrito. Sentimos-nos tentados e ao mesmo tempo receosos de fazê-lo, pois o problema do espaço, certamente a nuvem resolve, mas e a sua privacidade, está segura?

Você confiaria seus segredos mais íntimos, seus documentos mais secretos à nuvem?

 

Arrivederci!


Fontes:
 
KENNEDY Jayson; SNIDER, Lisa; DURANTI Luciana. Cloud Computing: The basics, benefits and risks, 2011.

sábado, 5 de novembro de 2011

O que o próximo ano nos reserva



A Arquivística brasileira está evoluindo e não há um lugar melhor para demonstrar isso e refletir sobre os rumos que ela tem tomado do que os Congressos. É importante participar, como ouvintes ou palestrantes. É preciso enviar trabalhos tanto aos eventos nacionais quanto aos internacionais e demonstrar essa evolução. Demonstrar que a Arquivística brasileira busca caminhar com as próprias pernas, sem esquecer quem a ensinou a andar, sabendo que não poderia aprender nada se não fossem as diversas abordagens que a compõem. Mas, demonstrar, acima de tudo, que ela está buscando uma identidade própria, construindo, desta vez, teoria a partir da realidade de sua própria prática.

Em 2012 vale à pena fazer uma força e raspar a poupança para ir a alguns dos eventos de Arquivologia e Ciência da Informação que acontecerão em vários países, inclusive no Brasil.
Tome nota e programe-se:

Eventos no Brasil

XVII CONGRESSO BRASILEIRO DE ARQUIVOLOGIA – CBA
Tema: Preservação, Acesso, Difusão: Desafios para as Instituições Arquivísticas no Século XX
Local e data: Rio de Janeiro, de 18 a 22 de Junho.

V CONGRESSO NACIONAL DE ARQUIVOLOGIA - CNA
Tema: ainda não divulgado
Local e Data: Salvador,  Outubro de 2012
Informações: site ainda não divulgado

Eventos no Exterior

ACA’S 37TH ANNUAL CONFERENCE – Conferência anual da Associação dos Arquivistas Canadenses
Tema: In Search of Archival Gold
Local e Data: Whitehorse, Canadá, de 07 a 09 de Junho.

12TH INTERNATIONAL ISKO CONFERENCE – Conferência bienal da International Society for Knowledge Organization - ISKO
Temas: Categories, Relations and Contexts in Knowledge Organization
Local e data: Bangalore, India,  de 06 a 09 de Agosto

DOCAM 2012 - The ninth annual meeting of the Document Academy – Reunião anual da Document Academy
Tema: não tem
Local e data: Ontario, Canada , de 15 a 17 de Agosto

17TH INTERNATIONAL COUNCIL ON ARCHIVES CONGRESS 2012 – Congresso do Conselho Internacional de Arquivos (CIA)
Tema: Climate for Change
Local e data: Brisbane, Australia de 20 a 24 de Agosto
Informações: www.ica2012.org

Por razões óbvias, é impossível destacar, aqui, todos os eventos, inclusive os regionais. Se deixei de mencionar algum aqui - o que certamente aconteceu - deixo claro que não foi com a intenção de desmerecê-los. Se alguém lembrar de algum evento que não citei aqui, peço, que deixe nos comentários, assim posso atualizar o post!

                                                                                                      Arriverderci! 

domingo, 23 de outubro de 2011

A Arquivística e a Ciência da Informação: um diálogo possível?

Há exatamente um ano, estava na Espanha, em Zaragoza, apresentando um trabalho no XV Ibersid (Encuentros Internacionales sobre Sistemas de Información y Documentación),  intitulado: “Ciência da Informação e Arquivística: um diálogo possível a partir da informação registrada”, fruto de algumas reflexões sobre a inserção da Arquivística no âmbito das disciplinas que compõem a Ciência da Informação (CI), e achei que seria interessante discutir aqui essa relação (aproveitando o boom de visitas que o blog recebeu, em decorrência do último post). 

No Brasil, na estrutura das agências de fomento à pesquisa a Ciência da Informação está inserida nas chamadas “Ciências Sociais Aplicadas”, englobando a Arquivística, a Biblioteconomia e a Museologia, denominadas por Smit (1993) como “as três Marias”.

Essa visão coloca a CI como uma grande área, uma disciplina científica que rege as práticas arquivísticas, biblioteconômicas e museológicas, cujo objetivo é garantir que a informação registrada e institucionalizada possa ser acessada e disseminada de maneira rápida e eficaz.

Neste contexto, a Arquivística e as outras disciplinas citadas, emergem como práticas de uma ciência maior. A CI propõe um objetivo: estudar os processos de produção, organização e uso da informação, enquanto que as outras disciplinas colocam em prática esses processos. Como bem destacou Guimarães (2008, p. 33)
 [...] há de se ter em conta que a Ciência da Informação, enquanto área de estudos encontra fulcro em um conjunto de práticas que, no decorrer, ao longo do tempo, foram se consolidando, no mais das vezes ligadas a fazeres específicos contextualizados em ambiências específicas.

Especificamente no campo arquivístico, essa visão é ainda muito discutida. Enquanto que em alguns países, como França e Itália, os cursos de Biblioteconomia estão seguramente inseridos nos departamentos de Ciência da Informação, os cursos de Arquivística estão inseridos em departamentos de História nas Universidades, ou até mesmo em Arquivos Históricos (como já foi discutido neste blog, em postagens anteriores).

Não é raro, ainda, encontramos os famosos teóricos da Arquivística Contemporânea, definindo a CI como uma área da tecnologia, como é o caso de Luciana Duranti. Quando estudei as abordagens que emergiram no Canadá nos anos 1980 e constituem hoje o supra-sumo da Arquivística contemporânea, pude observar que, embora todas as abordagens trabalhem com o conceito de informação orgânica, apenas a Arquivística Integrada se vê inserida em uma área maior, no caso a CI.  Isso demonstra uma carência dos estudos relativos à informação enquanto objeto da Arquivística. 

A realidade brasileira deveria constituir uma exceção. Digo isso porque no Brasil, embora os cursos de Arquivística estejam inseridos majoritariamente nos departamentos de Ciência da Informação nas Universidades, demonstrando uma tentativa em aproximar disciplinas relacionadas, a interdisciplinaridade raramente ocorre. 

No texto que apresentei no Ibersid, eu disse que a realidade brasileira era uma exceção, mas hoje vejo que não é bem assim. O maior exemplo dessa não-integração é a intenção de criar um Mestrado na área de Arquivologia que, hoje, é apresentada como uma sub-área nos Programas de Pós-Graduação em CI.

A Arquivística é uma disciplina relativamente nova e baseada fundamentalmente na prática, mas que pode encontrar na Ciência da Informação – especificamente no cenário brasileiro um espaço científico capaz de fundamentar a produção, a organização e o uso da informação orgânica registrada. No entanto, acredito que esse diálogo só será possível a partir do momento em que identificarmos a informação orgânica registrada como o objeto da Arquivística, não esquecendo, porém, que essa informação deve ser tangível e passível de organização (information-as-a-thing, como definiu Buckland).

Dessa forma documento/informação devem estar sempre associados uma vez que a informação deve ser registrada em um suporte, para que possa ser processada, organizada e utilizada (processos nucleares da CI). 

Acredito, sinceramente, que a realidade arquivística brasileira é privilegiada por estabelecer essa relação com a Ciência da Informação e que, se soubermos aproveitar essa interdisciplinaridade, poderemos avançar muito nos campos teórico e metodológico, uma vez que a Arquivística, sozinha dificilmente fará verão. Ainda temos muito que aprender, e a Ciência da Informação muito a nos ensinar então, porque não aproveitar?

Referências:

GUIMARÃES, José Augusto Chaves. Ciência da Informação, arquivologia e biblioteconomia: em busca do necessário diálogo entre o universo teórico e os fazes profissionais. In: GUIMARÃES, J.A.C; FUJITA, M.S.L. (org.). Ensino e pesquisa em biblioteconomia no Brasil: a emergência de um novo olhar. Marília: Cultura Acadêmica e Fundepe, 2008. 33-43.

TOGNOLI, Natália Bolfarini ; GUIMARÃES, José Augusto Chaves . Ciencia de la Información y Archivística: un dialogo a partir del concepto de información registrada. In: GARCIA MARCO, Francisco Javier. (Org.). Revista de Sistemas de Información y Documentación. Zaragoza: Prensas Universitarias de Zaragoza, 2010, v. , p. 131-136.

SMIT, Johanna W. O documento audiovisual ou a proximidade entre as três Marias. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, 26, 1, 1993, 81-85.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Dia do arquivista: aproveitemos para pensar


Desde a década de 1970 é comemorado o dia do Arquivista, no Brasil. A data remete a um projeto proposto pelo deputado Marquês de Olinda (20 de outubro de 1823) que consistia na inclusão de um Arquivo Público no Brasil, cuja instituição viria apenas alguns anos depois. No entanto, a data marca um momento importante, que sinalizava a intenção de institucionalizar o patrimônio arquivístico brasileiro e, por essa razão, foi escolhida, pela Associação dos Arquivistas Brasileiros (AAB) para representar o dia do profissional responsável pelos arquivos.
Hoje, quarenta anos depois, os arquivistas brasileiros têm muito que comemorar: uma lei que regulamenta a profissão (6.546/78), um Arquivo Nacional e um Conselho Nacional de Arquivos, uma Legislação Arquivística brasileira, dezesseis cursos superiores de Arquivologia oferecidos pelas Universidades Federais e Estaduais em todo país, diversas associações profissionais, um sindicato, uma norma brasileira de descrição arquivística e inúmeros concursos públicos sendo abertos Brasil a fora, oferecendo salários que vão de 1.500,00 a 15.000,00 reais (com pós-graduação nos mais altos escalões do poder público).
No entanto, não é apenas na área pública que o arquivista tem ganhado espaço. As instituições privadas também começaram a perceber sua importância nesses últimos anos, não somente como simples guardador de papeis, mas como gestor da informação e analista de documentação, e não é raro encontramos, no mercado, vagas que requerem arquivistas para trabalhar nessas especificidades.
As associações e o Sindicato também representam um papel importante e, diria, fundamental, para o reconhecimento do profissional arquivista. Quando um concurso para o cargo é aberto pedindo formação em biblioteconomia, ou apenas segundo grau, essas instituições logo entram em contato com o organizador, defendendo a regulamentação do edital, e o reconhecimento da profissão. É muito bom saber que podemos contar com pessoas que se preocupam em preservar e divulgar nossa profissão, que fazem disso uma luta diária, que nunca se cansam e não desistem.
O mesmo pode ser dito no campo acadêmico. Temos que agradecer aos professores de Arquivologia, Biblioteconomia, História, Direito, Letras, Administração, Ciência da Informação, enfim, todos aqueles que, mesmo não sendo formados na área, colaboraram para a elaboração e instituição dos primeiros cursos superiores de Arquivologia, trazendo novidades de outros países, estudando, aprofundando as discussões para constituir uma arquivística brasileira. Será que conseguimos?
Eu diria que sim. A Arquivologia brasileira é constituída, hoje, por uma junção, uma reunião de correntes teóricas de vários países, da Europa à América do Norte. Fomos capazes de absorver o melhor de cada lugar, de aplicar os métodos, os modelos, os princípios, sem preconceitos, sem medo. Afinal, o que tínhamos a perder?
Hoje, temos muito a perder. Não sei se é porque tenho certa tendência às questões mais teóricas e acho que sempre temos que estudá-las a fundo para podermos saber aonde vamos com essa prática toda, mas a questão é que, ao contrário do que foi sentido nos últimos 30 anos, a Academia não tem produzido conhecimento o bastante. Ainda estamos estudando os autores da década de 70, ainda estamos discutindo a realidade do passado. Não estamos produzindo, não estamos publicando, não estamos avançando. Por quê? Porque temos professores acomodados, professores que não se preocupam com a construção teórica da área. E eu falo dos professores doutores que teriam maturidade intelectual suficiente para contribuir, que criticam a velha definição de documento imparcial e natural de Jenkinson, mas que não são capazes de escrever um artigo criticando e expondo os contra pontos dessa e de outras definições. Por outro lado temos professores com apenas a graduação em Arquivologia e que, têm fôlego, têm vontade, mas falta a oportunidade ou a maturidade intelectual. Destaco, aqui que falo no geral, com base no que tenho visto durante esses anos, indo a Congressos de Arquivologia e estudando o material publicado. Sei que temos professores doutores que publicam, que estudam, que se preocupam com a Arquivologia, ao mesmo tempo em que temos professores graduados que têm muita maturidade para contribuir para a construção teórica da área.
Enfim, a culpa é de quem? É do governo que abre cursos de Arquivologia sem estrutura, sem professores capacitados, com baixos salários, pensando em suprir a demanda dos concursos públicos, para que, no futuro, possa ser dito: O Brasil consegue formar não-sei-quantos-arquivistas por ano para suprir as necessidades! Ou é das Universidades Públicas que vêm na implementação dos cursos de Arquivologia uma maneira de conseguir mais recursos?
Devemos, sim, nos vangloriar pelo reconhecimento que a sociedade brasileira e o governo têm começado a nos dar nos últimos anos, requerendo nossos serviços, entendendo a importância de um profissional da informação. Mas devemos nos perguntar: queremos formar arquivistas ou profissionais? Porque há uma grande diferença entre esses dois termos. Após quatro ou sete anos de faculdade, após o cumprimento dos créditos necessários, o aluno de Arquivologia sairá de lá arquivista, o que não significa dizer que será um profissional, uma pessoa capaz de gerenciar, de organizar um arquivo. E se não temos professores capacitados para formar um profissional, que tipo de arquivista teremos?
A Arquivologia brasileira ganhou muito desde a década de 70, mas ainda está caminhando, ainda é uma criança. Ainda há muito a ser feito. Pelas associações, pelo Sindicato, pelos profissionais arquivistas, pelos professores de Arquivologia. Enfim, temos que encontrar um equilíbrio. 
Aproveitemos o dia 20 de Outubro, dia do Arquivista, para pensar sobre isso.
      
Arrivederci!