quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Dia do arquivista: aproveitemos para pensar


Desde a década de 1970 é comemorado o dia do Arquivista, no Brasil. A data remete a um projeto proposto pelo deputado Marquês de Olinda (20 de outubro de 1823) que consistia na inclusão de um Arquivo Público no Brasil, cuja instituição viria apenas alguns anos depois. No entanto, a data marca um momento importante, que sinalizava a intenção de institucionalizar o patrimônio arquivístico brasileiro e, por essa razão, foi escolhida, pela Associação dos Arquivistas Brasileiros (AAB) para representar o dia do profissional responsável pelos arquivos.
Hoje, quarenta anos depois, os arquivistas brasileiros têm muito que comemorar: uma lei que regulamenta a profissão (6.546/78), um Arquivo Nacional e um Conselho Nacional de Arquivos, uma Legislação Arquivística brasileira, dezesseis cursos superiores de Arquivologia oferecidos pelas Universidades Federais e Estaduais em todo país, diversas associações profissionais, um sindicato, uma norma brasileira de descrição arquivística e inúmeros concursos públicos sendo abertos Brasil a fora, oferecendo salários que vão de 1.500,00 a 15.000,00 reais (com pós-graduação nos mais altos escalões do poder público).
No entanto, não é apenas na área pública que o arquivista tem ganhado espaço. As instituições privadas também começaram a perceber sua importância nesses últimos anos, não somente como simples guardador de papeis, mas como gestor da informação e analista de documentação, e não é raro encontramos, no mercado, vagas que requerem arquivistas para trabalhar nessas especificidades.
As associações e o Sindicato também representam um papel importante e, diria, fundamental, para o reconhecimento do profissional arquivista. Quando um concurso para o cargo é aberto pedindo formação em biblioteconomia, ou apenas segundo grau, essas instituições logo entram em contato com o organizador, defendendo a regulamentação do edital, e o reconhecimento da profissão. É muito bom saber que podemos contar com pessoas que se preocupam em preservar e divulgar nossa profissão, que fazem disso uma luta diária, que nunca se cansam e não desistem.
O mesmo pode ser dito no campo acadêmico. Temos que agradecer aos professores de Arquivologia, Biblioteconomia, História, Direito, Letras, Administração, Ciência da Informação, enfim, todos aqueles que, mesmo não sendo formados na área, colaboraram para a elaboração e instituição dos primeiros cursos superiores de Arquivologia, trazendo novidades de outros países, estudando, aprofundando as discussões para constituir uma arquivística brasileira. Será que conseguimos?
Eu diria que sim. A Arquivologia brasileira é constituída, hoje, por uma junção, uma reunião de correntes teóricas de vários países, da Europa à América do Norte. Fomos capazes de absorver o melhor de cada lugar, de aplicar os métodos, os modelos, os princípios, sem preconceitos, sem medo. Afinal, o que tínhamos a perder?
Hoje, temos muito a perder. Não sei se é porque tenho certa tendência às questões mais teóricas e acho que sempre temos que estudá-las a fundo para podermos saber aonde vamos com essa prática toda, mas a questão é que, ao contrário do que foi sentido nos últimos 30 anos, a Academia não tem produzido conhecimento o bastante. Ainda estamos estudando os autores da década de 70, ainda estamos discutindo a realidade do passado. Não estamos produzindo, não estamos publicando, não estamos avançando. Por quê? Porque temos professores acomodados, professores que não se preocupam com a construção teórica da área. E eu falo dos professores doutores que teriam maturidade intelectual suficiente para contribuir, que criticam a velha definição de documento imparcial e natural de Jenkinson, mas que não são capazes de escrever um artigo criticando e expondo os contra pontos dessa e de outras definições. Por outro lado temos professores com apenas a graduação em Arquivologia e que, têm fôlego, têm vontade, mas falta a oportunidade ou a maturidade intelectual. Destaco, aqui que falo no geral, com base no que tenho visto durante esses anos, indo a Congressos de Arquivologia e estudando o material publicado. Sei que temos professores doutores que publicam, que estudam, que se preocupam com a Arquivologia, ao mesmo tempo em que temos professores graduados que têm muita maturidade para contribuir para a construção teórica da área.
Enfim, a culpa é de quem? É do governo que abre cursos de Arquivologia sem estrutura, sem professores capacitados, com baixos salários, pensando em suprir a demanda dos concursos públicos, para que, no futuro, possa ser dito: O Brasil consegue formar não-sei-quantos-arquivistas por ano para suprir as necessidades! Ou é das Universidades Públicas que vêm na implementação dos cursos de Arquivologia uma maneira de conseguir mais recursos?
Devemos, sim, nos vangloriar pelo reconhecimento que a sociedade brasileira e o governo têm começado a nos dar nos últimos anos, requerendo nossos serviços, entendendo a importância de um profissional da informação. Mas devemos nos perguntar: queremos formar arquivistas ou profissionais? Porque há uma grande diferença entre esses dois termos. Após quatro ou sete anos de faculdade, após o cumprimento dos créditos necessários, o aluno de Arquivologia sairá de lá arquivista, o que não significa dizer que será um profissional, uma pessoa capaz de gerenciar, de organizar um arquivo. E se não temos professores capacitados para formar um profissional, que tipo de arquivista teremos?
A Arquivologia brasileira ganhou muito desde a década de 70, mas ainda está caminhando, ainda é uma criança. Ainda há muito a ser feito. Pelas associações, pelo Sindicato, pelos profissionais arquivistas, pelos professores de Arquivologia. Enfim, temos que encontrar um equilíbrio. 
Aproveitemos o dia 20 de Outubro, dia do Arquivista, para pensar sobre isso.
      
Arrivederci!
    

5 comentários:

  1. Natália, perfeita sua apresentação das origens do Dia do Arquivista e das conquistas obtidas nos últimos anos em nossa área. Lembro que quando entrei na graduação, em 2001, o cenário que nos era apresentado era desolador: poucas chances de obter um bom emprego na área depois de formado, total desconhecimento sobre a profissão no mercado de trabalho, poucos congressos e eventos acadêmicos. A própria Arquivologia era questionada como ciência e muitos apostavam que seria absorvida pela Ciência da Informação. Passados dez anos esse quadro se alterou, pelas razões que você relacionou os estudantes já ingressam no curso em busca de boas oportunidades profissionais, já se vêem matérias em jornais e revistas falando sobre a profissão, temos vários congressos e eventos arquivísticos sendo realizados pelo país, além da perspectiva de criação do primeiro Mestrado em Arquivologia. Claro, não alcançamos ainda um status ideal, muito ainda precisa ser feito, mas é inegável o avanço e temos motivos para nos orgulharmos.
    E justamente por vivermos um período de transformação, acho que você apresenta muito bem uma questão que também me preocupa e que é crucial em qualquer área: a formação dos futuros arquivistas. Agora que a quantidade de cursos começa a deixar de ser um problema, não podemos deixar de atentar para a qualidade. Mas questionamentos como o seu e de outros profissionais que conheço quanto ao ensino me fazem ter esperança de que essa dicotomia entre formar arquivistas e profissionais irá terminar à medida que professores de disciplinas arquivísticas, mas com outra formação, sejam substituídos por uma nova geração de professores, com formação em Arquivologia, que dê aos estudantes uma visão que alie o pensar e o fazer arquivístico.
    Parabéns por fomentar essa discussão e a todos os arquivistas pelo nosso dia!

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  2. Natália, parabéns pelo belo texto e pela realidade do cenário arquivístico brasileiro apresentado por você.

    Falou com clareza o que todos os arquivistas e futuros arquivistas deveriam saber.

    Precisamos mesmo lutar por uma Arquivologia mais sólida e mais reconhecida no mercado.

    Abraços!

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  3. Natália Tognoli,

    Gostaria de Parabenizá-la pelo excelente artigo.

    Concordo plenamente que as universidades devem buscar uma atuação que propicie ao estudante de arquivologia condições de sair mais preparado, mais seguro para atuar profissionalmente.

    Gostaria de deixar algumas idéias para possíveis discussões:

    1 – Não restringir o trabalho de conclusão de curso a um viés puramente de pesquisa acadêmica. Possibilitar que o estudante possa desenvolver um projeto de negócios, com aplicabilidade real.

    2 – Realizar atividades como olimpíadas da Gestão Documental, onde o estudante se depararia com problemas reais e onde poderiam-se formar equipes multidisciplinares, reunindo estudanters de arquivologia, administração, TI, etc. Seria uma oportunidade de empresas buscar talentos e divulgarem seus produtos e serviços através de patrocínios e cessões de licenças de sistemas para a competição.

    3 – Estimular um viés mais empreendedor, através de feiras e por exemplo atuação mais direta dos professores na orientação de empresas juniores.

    Mais uma vez parabéns pelo artigo. Grande Abraço!

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  4. Natália,

    Muito bom o seu artigo, e representa muito bem o que a algum tempo vem sendo discutido: a falta de cientificidade da Arquivologia.
    Durante muitos anos os cursos de Arquivologia eram focados apenas para a prática, para questões de aplicação das funções arquivísticas. O que temos hoje, é um início de preocupação com a pesquisa, e com o que tu coloca, da visão crítica a velhos paradigmas...

    Precisamos sim incentivar as questões de aplicação prática, mas acima de tudo, consolidar a Arquivologia como uma ciência, fundamentada em pesquisa e teoria arquivística. E isso não cabe apenas aos docentes... mas sim a todos os arquivistas.

    Parabéns pelo artigo!

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  5. Gostaria de agradecer a todos que leram e comentaram aqui no Blog. Foi a primeira vez que tive tantos posts, acredito por se tratar de um assunto de interesse de todos nós, enquanto profissionais, enquanto arquivistas.

    Agradeço ao Wagner e ao Rafael pelas importantes manifestações de apoio a essa discussão que deve ser de todos nós.

    Agradeço ao Daniel por propor as ideias para novas discussões. Acho, sim, que devemos integrar a prática e a teoria por meio de ações como essa que ele propôs. Temos que incentivar os representantes dos cursos de Arquivologia para que eles possam levá-las para frente!

    E agradeço a Débora por compartilhar também da minha preocupação: a falta de uma cientificidade na arquivística brasileira fundamentada na teoria e, é claro, na prática. Devemos pensar que não é a Arquivística em geral que parou no tempo, mas sim a brasileira. Devemos seguir o exemplo daquela canadense e australiana, que têm nos mostrado como aliar uma teoria contemporanea à prática, representando, hoje, o que temos de mais inovador em termos de Arquivística. Eu estou tentando, e conto com vocês.

    Mais uma vez, muito obrigada!

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