quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Nada se cria...hoje!



Após um longo período de recesso, volto hoje a publicar no Blog algumas reflexões que tenho durante o desenvolvimento da tese. Essa última está particularmente ligada aos estudos da semana: os texto de Auguste Dumas, um jurista e arquivista francês, que publicou trabalhos interessantes sobre Diplomática na década de 1930, durante sua passagem pela École des Chartes, em Paris.  
Enjoy it! 


Quanto mais leio, mais me dou conta de que as coisas aprendemos como “originais”, ou “novas idéias” ou ainda, “novas perspectivas” raramente os são. Talvez os sejam somente a partir de um ponto de vista “nosso” sobre algo que não conhecíamos e que, ao tomarmos contato pela primeira vez, nos parece novo. Nesse sentido é sim, totalmente compreensível caracterizar algo como novo, ou inovador. Na Academia isso acontece com mais freqüência do que imaginamos, principalmente quando a barreira lingüística nos impede e, sabendo disso, muitos se aproveitam. Quando digo “se aproveitam” não quero dizer que fazem de má fé, mas muitas vezes por serem as únicas pessoas capazes de passar para uma determinada comunidade de leitores aquelas idéias que foram promulgadas por outros há alguns anos e, querendo ou não, acabam ficando com o crédito dessas idéias.
Mais especificamente dentro da minha realidade, ou seja, dos leitores de obras de Diplomática e Arquivística, posso dizer que isso é muito comum, o que nos leva a erros de interpretação tanto de contexto quanto de originalidade de conteúdo. No país as obras de Diplomática são muito escassas e temos que contar com textos publicados há anos e (re) editados cinco, dez vezes, sem quase nenhuma revisão de bibliografia ou até mesmo conteúdo.  
Digo isso porque durante muitos anos acreditei que o trabalho de Duranti no Canadá fosse algo inédito e “novo”.  O que eu sei é que ela levou sim o crédito por suas pesquisas inovadoras, com suas “novas perspectivas” para uma antiga ciência, e isso ninguém pode negar. Sua aplicação da Diplomática aos documentos eletrônicos foi algo, de fato, novo. Mas não devemos a ela a concepção de uma Diplomática Contemporânea, e nem à Paola Carucci (que foi precursora de Duranti no uso da Diplomática na Administração contemporânea na Itália)

O termo e a idéia de uma Diplomática Contemporânea nos foram dados pelos franceses, ainda na década de 1930 (portanto 70 anos antes do livro de Duranti). A autora chega mesmo a citar Tessier e Bautier no capítulo introdutório de seu trabalho “Diplomatics: new uses for na old science”, mas suas influências para uma disciplina contemporânea são pouco aprofundadas no capítulo, mesmo porque esse não é o foco da autora. 

O que me fez pensar e escrever sobre isso foi o fato de eu estar lendo, hoje – de volta das minhas merecidas férias de pesquisa - , um texto de Auguste Dumas, jurista, arquivista e paleógrafo francês, datado de 1930. No texto, Dumas é muito claro ao dizer que a Diplomática estuda a forma dos actes instrumentaires, e que esta forma é baseada em regras que foram impostas pelo Direito para que todos os actes com a mesma problemática jurídica possuíssem a mesma forma, evitando, assim, problemas com a redação e estilo de documentos comuns às mesmas problemáticas. Até aqui nenhuma novidade certo?
A novidade é a observação feita por ele:

« Nous pouvons donc dire que la diplomatique est la science des règles auxquelles sont soumises la rédaction et la présentation des actes. Cette definition de la diplomatique n’en fait pas un science historique par essence. L’art de mettre les actes en forme est de tous les temps. On le pratique encore de nos jours dans les bureaux des administrations et dans les études des notaires.[...] Il y aurait une diplomatique contemporaine, qui serait le pendant de la diplomatique historique, seule jusqu’à présent constituée en science. Les méthodes de l’une ne différeraient pas essentiellement des méthodes de l’autre : car les tendances de ceux qui font profession de rédiger les actes ne varient guère à travers les âges » (DUMAS, 1932 p. 28-29).

E tão lógica e óbvia que quase passa despercebida. Mesmo se quisermos, não há como limitarmos a Diplomática apenas aos documentos históricos, pois ela implica o estudo da forma dos documentos, e essa forma é sentida em todos os documentos que possuem um negócio jurídico. O estudo diplomático de um documento é feito diariamente, em cartórios, escritórios, mas de uma forma empírica, não permitindo, aparentemente, nenhum tipo de reflexão sobre isso. Logo, seguindo o raciocínio do autor, é possível sim uma Diplomática Contemporânea, que estude esses processos de criação do discour instrumentaire nas novas organizações e administrações públicas, produzindo uma nova reflexão teórica, com base na Diplomática Clássica. 

Isso foi falado em 1930, por Auguste Dumas, que se baseou nos estudos de Georges Tessier, que foi citado por Duranti, em 1989. Não há nada de novo nos estudos de uma Diplomática Contemporânea, apenas na maneira como ela foi abordada e publicada para o mundo todo. 

Bibliografia utilizada:
DUMAS, Auguste. La diplomatique et la forme des actes. Moyen Age, n. 3, v. III, pp. 05-31, 1932.

Arrivederci!!