sábado, 26 de maio de 2012

Somente pesquisadores brasileiros podem apresentar trabalhos

No Brasil, na estrutura das agências de fomento à pesquisa, a Ciência da Informação está inserida nas denominadas “Ciências Sociais Aplicadas”, englobando a Arquivologia, a Biblioteconomia e a Museologia, denominadas por Smit (1993) como “as três Marias”. Essa visão coloca a CI como uma grande área, uma disciplina científica que rege as práticas arquivísticas, biblioteconômicas e museológicas. Neste contexto, a Arquivologia e as outras disciplinas citadas, emergem como práticas de uma ciência maior.

Embora essa visão ainda seja muito discutida no campo de estudos da Arquivologia brasileira, encontrando muita resistência por parte de algumas escolas, é importante estarmos cientes de que a pesquisa em Ciência da Informação nos influencia sobremaneira, uma vez que podemos encontrar discussões maduras no ambito da CI, notadamente sobre os processos de produção, organização e uso da informação. 

Por esse motivo, achei interessante publicar, aqui, a carta endereçada à ANCIB (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação) pelo Professor e Pesquisador do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (UNESP), José Augusto Guimarães, em resposta à exigência absurda da Associação de que "somente pesquisadores brasileiros podem apresentar trabalhos" no próximo Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação - ENANCIB", o evento mais importante da área no Brasil.   

Aproveito para compartilhar aqui a indignação do Professor, uma vez que entendo que não há nada mais enriquecedor para a nossa área - tanto para a CI quanto para a Arquivologia e para a Biblioteconomia -  do que a troca de experiências e pesquisas com outros países, uma vez que essa troca nos permite enriquecer as discussões e posicionar nossas ideias e reflexões em um contexto maior.

Abaixo, a carta:

Prezados colegas:

Foi com perplexidade que li, nas regras relativas à propositura de comunicações para o próximo ENANCIB, a seguinte informação:

"Somente pesquisadores brasileiros podem apresentar trabalhos" (sic)

Essa afirmação me causa mais espécie ainda, neste momento em que a área de Ciência da Informação, no Brasil, luta arduamente em prol de sua internacionalização, em busca de visibilidade e de reconhecimento internacional (como bem vem recomendando a Capes aos Programas de Pós-graduação da área, por exemplo).

Fico pensando o que seria de nós, pesquisadores, se os congressos internacionais dos quais temos buscado participar cada vez mais, estebelecessem regras congêneres. Assim teríammos, por exemplo (cito apenas exemplos da área em que venho atuando):
ASIST: "Somente pesquisadores norte-americanos podem apresentar trabalhos"
ISKO-España: "Somente pesquisadores espanhóis podem apresentar trabalhos"
ISKO-França: "Somente pesquisadores franceses podem apresentar trabalhos"
ISKO-Reino Unido: "Somente pesquisadores britânicos podem apresentar trabalhos"
ISKO-North America: "Somente pesquisadores canadenses e estadunidenses podem apresentar trabalhos"

Não pensaram os diletos colegas da ANCIB que o ENANCIB tem servido, tradicionalmente, como um excelente cartão de visita para a Ciência da Informação brasileira junto a nossos colegas estrangeiros? Pois não creio que, em sã consciência, algum colega estrangeiro viria ao ENANCIB apenas como assistente, se soubesse que está FORMALMENTE IMPEDIDO de apresentar trabalho. Algo me diz que um colega estrangeiro, quando se interessa em submeter um trabalho ao ENANCIB é porque, no mínimo, ele percebeu que se trata de ume evento de qualidade científica e vê nele um importante veículo para divulgar o conhecimento por ele produzido. Seria justo privá-lo de tal possibilidade?

De minha parte, sempre disse aos colegas estrangeiros que o ENANCIB seria o correspondente a um congresso da "ASIST brasileira". Estaria eu tão redondamente equivocado?

Em um momento em que tentamos mostrar ao mundo a qualidade efetiva da Ciência da Infromação brasileira, soa-me com um verdadeiro "tiro no pé" esse tipo de "reserva de mercado", que contradiz os princípios básicos da interlocução científica ampla e do open mindness acadêmico, e vai na contramão da formação de colégios invisíveis internacionais, afrontando um diálogo científico mais amplo em nossa área.

Tenho muito medo de que essa visão de "olhar apenas para o próprio umbigo" possa nos levar a um hermetismo e a uma certa alienação quanto ao que ocorre cientificamente no restante do mundo.

Abraço a todos

José Augusto Guimarães

José Augusto Chaves Guimarães, PhD
Professor Titular (Professor)
Depto. de Ciência da Informação (Information Science Department)
UNESP - Universidade Estadual Paulista (São Paulo State University)
Marília - SP - BRASIL
------------------------------------------------------------------------------------------------------------


Arrivederci!
Natália Tognoli